quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Capítulo 2 “O Beijo”

Capítulo 2
“O Beijo”

Infelizmente, eu e a Susan - minha melhor amiga- não ficámos na mesma turma. Então, na pausa para o almoço, eu tive que ir almoçar a casa de Susan, que era mesmo em frente à escola. Como ela só se tinha mudado para aqui há poucos dias, a casa estava um caos: a sala onde iríamos almoçar estava com alguns móveis fora do sítio, latas de tinta laranja vazias no chão e a maior parte das superfícies estavam cobertas com película transparente, muito provavelmente para não sujar os móveis e o chão enquanto se pinta.
– Que se passa, Ellen? – perguntou-me a Susan – Eu conheço essa cara, ou estás extremamente cansada, ou estás apaixonada…
– Conheces-me tão bem…
– Então conta, conta. Quero saber de tudo: quem, como, quando e porquê! – gritou de entusiasmo.
– Bem… Ele chama-se Jack e anda na mesma turma que eu. Ao como… vou responder apenas que me perdi... Quando, que foi hoje e porquê, bem, isso não sei bem explicar…
Ao dizer isto tudo, senti as minhas faces a corar imenso.
– Já percebi! – exclamou, parando um pouco para pensar. – Eu também conheci um borracho!
– Quem? – quis saber, contente, por termos mudado de assunto.
– Chama-se Louis, ele é tão misterioso e simpático – proferiu ela corando. Afinal não era a única que corava.
– Então, como o conheceste?
– Ora, isso não interessa…
Ela estava a ficar cada vez mais vermelha.
– Vá lá, sabes que não conto a ninguém – disse.
– Eu sei, mas prefiro não contar – retorquiu.
– Ok, está bem, eu não te chateio mais, mas um dia destes vais ter que me contar – acrescentei sorrindo.

******
Quando voltei da casa da Susan, para ir assistir às aulas da tarde, o Jack estava a falar com um rapaz com uma franja enorme, de quem nem se conseguia ver os olhos.
– Olá! És tu a Ellen? – perguntou o rapaz.
– Sim, sou, porquê? – respondi eu.
– Aqui o Jack não fala de outra coisa! – ao dizer isto, o rapaz da franja avançou seguido de Jack, que sorria envergonhado e estendeu-me a mão para me cumprimentar. – Sou o Louis, Louis Tootle Holy.
– Ah! Então o Louis és tu! – exclamei, alegremente, apertando-lhe a mão.
Ouvi o Jack a aclarar a voz - estava a tentar chamar a atenção de Louis.
– Ah! Pois! Desculpa Jack, mas tinha de conhecer a Ellen.
– Não faz mal. Mas era escusada a parte de estar sempre a falar dela…
– Oh! Vá lá, não sejas assim. Pensava que eras um tipo sem receios, pensava que te conhecia – disse Louis dando uma ligeira cotovelada ao Jack.
– Bem, parece que não me conheces muito bem. Afinal, quando se trata da Ellen já sou outra coisa.
E ao ouvir isto, corei. Apercebi-me de que Jack tinha reparado nisso e que estava a olhar para mim com o seu ar carinhoso, corei mais.
– Pronto, pronto, vou deixar os pombinhos a sós... – brincou Louis.
Pensei em olhar para ele, para lhe dizer que não era assim. Mas bem lá no fundo sabia que Louis tinha razão.
– Tens algum plano para sábado? – interrogou Jack.
– Não, não tenho…
– Gostavas de vir ver um filme comigo?
– E...e...eu? – gaguejei.
– Claro! Não estou a ver mais ninguém.
– Pode ser.
– Então vemo-nos…
Mas, a frase de Jack foi interrompida pelo som do toque de entrada.

*****

Tirei da minha mala roxa o papel que Jack me havia dado e indiquei ao taxista onde era a rua onde ele vivia.
Quando cheguei à pequena rua, apercebi-me de que era de noite. Estava a chover e infelizmente não tinha chapéu-de-chuva, tive de correr por entre aquelas casas abandonadas e frias.
Peguei no papel, já molhado e tentei ver as pequenas letras que indicavam onde era a casa:
“Rua Shadow, nº6”
Nº 6? Já tinha passado essa casa. Tive de voltar e chovia cada vez mais.
Mas, passado um bocado, já estava em frente à casa nº6. Essa pequena casa tinha um ar acolhedor e com aspecto de que lá vivia alguém, ao contrário das outras.
Agarrei com a mão gelada o pequeno portão e puxei para a frente, andei pelo jardinzinho e, antes de tocar à campainha, o Jack abriu-me a porta.
– Olá! – disse olhando para mim de alto a baixo – estás toda molhada! Entra, entra!
– Obrigada…
Ao entrar naquele espaço minúsculo senti-me bastante à vontade. Era quente e colorido, com uns posters aqui e ali, uma bateria e duas guitarras a um canto; junto a uma das paredes, uma pequena cozinha improvisada. As paredes estavam pintadas, não de branco, mas sim de azul, amarelo, laranja e roxo.
Instalei-me num pequeno sofá de couro castanho claro que se situava em frente de um mini plasma. Ao sentar-me, apercebi-me de que o Louis estava na mesma sala que eu, no canto paralelo ao da bateria e das guitarras. Estava sentado numa pequena secretária, rodeado de papéis e de pautas amarrotadas.
Jack foi ter com ele e sussurrou-lhe algo que não consegui perceber. Louis olhou de realce para mim, acenou-me e disse:
– Olá, Ellen! Não tinha reparado que estavas aqui.
De seguida, voltou-se e sussurrou algo ao Jack. Levantou-se, abriu uma porta para outro quarto e desapareceu, deixando-nos sozinhos.
– Desculpa lá a desarrumação, mas eu e o Louis não nos damos bem com arrumos – proferiu Jack.
– Não faz mal, até porque eu não sou também muito dotada para isso!
– Vou buscar uma toalha, estás toda encharcada!
Ao dizer isto dirigiu-se à mesma porta por onde Louis tinha saído.
Passados uns dois ou três minutos, voltou com uma toalha. Estendeu-ma e ofereceu-se para me enxugar o cabelo. Aceitei.
– Porque tens instrumentos na tua sala? – perguntei.
– É que, sabes, eu e o Louis temos uma “banda” – disse, passando as suas leves mãos no meu cabelo, para verificar se já estava seco.
– A sério? Sabes, eu também toco.
– O quê? – questionou.
– Piano, órgão e cravo. Sou especialista em teclas – disse.
– Verdade? Era giro ter alguém que soubesse de teclas na nossa “banda”! – exclamou, entusiasmado, sentando-se ao meu lado. – O que achas de te juntares ao grupo?
– Porque não? – retorqui, animada com a ideia de ver Jack mais vezes.
– Então está combinado, bem-vinda ao Sense of being!
– Adoro o nome! Sentido de Ser… é tão…
– Pois, eu sei…
Ficámos em silêncio. Mas esse silêncio era confortante e calmo, senti-me bem em sentir o silêncio tocar-me, abraçando o momento. Esse silêncio durou bastante, mas foi interrompido pelo doce som da voz de Jack:
– Então… o filme, qual queres ver?
– Que tal um filme cómico?
– OK!
Levantou-se e foi buscar uma caixa de CD que se encontrava na secretária, rodeada de papéis. Voltou a sentar-se calmamente, retirou um CD que eu não conhecia e colocou-o no leitor de CD.
Colocou uma manta em cima de nós os dois e o filme começou. Apercebi-me que ia durar imenso e, como estava preocupada para não chegar tarde a casa, lançava olhares para o relógio pendurado na parede, em cima do pequeno fogão. Mas, como estava com sono, comecei a fechar os olhos e a sentir-me cada vez mais cansada. Comecei a ignorar as horas e a cair lentamente num sono profundo. E, sem dar por isso, estava com a minha cabeça encostava à dele. Afastei-me com medo, mas algo correu mal. Agarrou-me a cabeça pensado que eu já estava a dormir e deu-me um beijo. Então, baixinho, como se estivesse a falar com um bebé adormecido, disse-me:
– Eu penso sempre em ti como algo mais…
Com receio, fingi continuar a dormir...

******

De manhã, acordei no sofá. Ele estava sentado, adormecido, com a mão no meu cabelo.
Eu estava em pânico, tinha passado a noite em casa dele, a minha mãe devia estar já à minha procura. Olhei de relançe para o meu relógio, era meio-dia!
Estava feita!
E para piorar, ele acordou, perguntando-me:
– Estás bem?
– Estou, mas a minha mãe não deve estar.
– Levanta-te! Anda, vai-te embora e diz que foste às compras antes de ires para casa...

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